24.1.11

"Ao longo das horas, dos dias, das semanas, das estações, você se desprende de tudo, desliga-se de tudo. Descobre, às vezes, quase com uma espécie de embriaguez, que você é livre, que nada lhe pesa, nada lhe agrada nem desagrada.
(...)
Encontra-se, nesta vida, sem usura e sem outro estremecimento além dos instantes suspensos provocados pelas cartas ou certos ruídos, certos espetáculos que você concede a si mesmo, uma felicidade quase perfeita, fascinante, às vezes cheia de emoções novas. Você experimenta um repouso total, e constantemente poupado, protegido. Vive numa bem-aventurada digressão, num vazio cheio de promessas e do qual você nada espera.
(...)
Você é invisível, límpido, transparente. Você não existe mais: a sucessão das horas, dos dias, a mudança das estações, o escoamento do tempo, você sobrevive, sem alegrias e sem tristeza, sem futuro e sem passado, assim, simplesmente, evidentemente, como uma gota d’água que pinga na torneira de um patamar, como seis pés de meia de molho numa bacia de matéria plástica rosa, como uma mosca ou como uma ostra, como uma vaca, como um caracol, como uma criança ou como um velho, como um rato."

Nenhum comentário: